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O PIUM filmes é um movimento em prol do cinema. Somos núcleo do Cinema Possível no Amapá. “Para nós, cinema é uma coisa prática e feita de forma possível dentro das circunstâncias em que o cineasta está envolvido e, portanto, fazedor do espetáculo. Ele cria o seu próprio olhar, a partir de sua tela de convivência dentro da comunidade e/ou ciclo em que vive.Usamos o termo ‘CINEMA POSSÍVEL’ como extensão de nosso pensar no que tange à necessidade de comunicação abrangente, utilizando formas diferenciadas, inovadoras e criativas de contar uma história.” Jiddu Saldanha (Guru do PIUM FILMES)

quarta-feira, 11 de abril de 2012

Besouro – o que pode o corpo?


Por ocasião da vivência do coletivo Amazourbanidade (AP) com o Grupo JLM Produções LTDA (RJ) que apresentou o espetáculo teatral “Besouro” - justa homenagem a Manuel Henrique Pereira, considerado o maior capoeirista de todos os tempos da Bahia - o poeta e professor de filosofia Herbert Emanuel (PIUM FILMES-AP) foi comentarista do filme “Besouro” do Cineasta João Daniel Tikhomiroff. Herbert pontuou aspectos do filme relacionados à filosofia. A conversa interessante e proveitosa rendeu o texto que publicamos abaixo: 


Produziu-se, no decorrer da história do pensamento, todo um questionamento sobre o corpo. Para a nossa tradição ocidental, que vai do pensamento platônico passando pelo cristianismo, o corpo sempre foi algo problemático. Platão o via como “cárcere da alma”, “morada do pecado”, para os cristãos. Uma boa parte do pensamento ocidental estabeleceu dicotomias que resistem até hoje, tais como: alma e corpo, espírito e matéria, res cogitans e res extensa (Descartes), sempre privilegiando o primeiro sobre o segundo. Digo uma boa parte do pensamento porque há, felizmente, o coro dos descontentes, como um Espinosa ou um Nietzsche, além de outros pensadores. Para Espinosa, um corpo é feito das relações com outros corpos, subvertendo, inclusive, o cartesianismo: é a relação com outros corpos que define o que sou; eu só conheço a mim mesmo pela ação dos outros corpos sobre mim, e dependendo dessa relação, posso ser fraco ou forte, triste ou alegre, isto é, diminuir minha potência de agir, de existir ou aumentá-la. Saber do que somos capazes – o que pode um corpo? – não é uma questão moral, mas uma questão física, da reação de um corpo em relação a outros. Segundo Deleuze, saber o que pode um corpo é uma das questões fundamentais da filosofia de Espinosa. Se nossos corpos forem afetados de tristeza, diminuímos nossa potência de agir e existir no mundo: se de alegria, o contrário. Saber qual o poder de ser afetado de um corpo é fundamental para a posse de uma vida sábia. (Deleuze, curso sobre Espinosa*). Nietzsche é outro pensador que também opera uma desconstrução da ideia de corpo; para ele, toda a filosofia ocidental, a partir de Platão, pode ser compreendida como uma progressiva desqualificação do corpo.


Fiz essa referência acima para falar de um filme que assisti recentemente chamado Besouro, dirigido por João Daniel Tikhomiroff, lançado em 2009, que, para mim, tem tudo a ver com o corpo e suas potências de agir. O filme conta a história do capoeirista Manuel Pereira, conhecido pelo apelido de Besouro, por sua extremada destreza na capoeira. O filme se passa no recôncavo baiano, na década de 20, onde os negros, apesar da abolição formal da escravidão, continuavam sujeitos a esta. Imperava o coronelismo que estabelecia suas próprias leis. Neste contexto, a capoeira e o candomblé surgem como elementos de agregação e resistência de uma cultura contra a discriminação e a violência de outra – a branca, no caso. O filme consegue retratar de forma muito bonita, sem cair em clichês, este dois elementos. 

Uma das grandes características da religião dos orixás é a presença marcante da corporeidade. O que são os orixás? Forças, potências do corpo – internas e externas, do próprio indivíduo, da comunidade, da natureza. Religiosidade imanente em oposição ao caráter transcendente das religiões monoteístas – judaísmo, cristianismo e islamismo. Também não há maniqueísmo, bem e mal se equiparam, e dependem da relação que eu estabeleço comigo mesmo e os outros, o mundo, a natureza. Exu tanto pode destruir como construir, nada a ver com a demonização que lhe foi imputada pelo cristianismo. Isso é muito claro no filme, quando Besouro, após a morte de seu mestre (assassinado pelos jagunços do coronel), sente-se culpado por ela, por ter descuidado da proteção. A culpa é um afeto triste, diz Espinosa, diminui nossa potência de agir. Exu se manifesta em Besouro para que possa resolver isso, consigo mesmo, superando a culpa, aumentando sua potência de agir, e que o faz muito bem através da capoeira, isto é, do corpo. Um corpo, já dizia o poeta e cineasta Pasolini, é sempre um corpo em luta. Besouro, com seu corpo em luta, resiste a toda escravidão e subserviência, agenciando também outros corpos a resistirem.
Herbert Emanuel




Teleconferência  com a atriz principal do filme Jéssica Barbosa na sala de cinema do SESC-AP

Herbert e o reverendo babalorixá  Marcos Ribeiro
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