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O PIUM filmes é um movimento em prol do cinema. Somos núcleo do Cinema Possível no Amapá. “Para nós, cinema é uma coisa prática e feita de forma possível dentro das circunstâncias em que o cineasta está envolvido e, portanto, fazedor do espetáculo. Ele cria o seu próprio olhar, a partir de sua tela de convivência dentro da comunidade e/ou ciclo em que vive.Usamos o termo ‘CINEMA POSSÍVEL’ como extensão de nosso pensar no que tange à necessidade de comunicação abrangente, utilizando formas diferenciadas, inovadoras e criativas de contar uma história.” Jiddu Saldanha (Guru do PIUM FILMES)

sexta-feira, 30 de maio de 2014

Brasil: cronicamente inviável?

Vivemos, hoje, momento de crises desmedidas. O que somos nós? O que queremos? O que podemos? O Pium Filmes e o Cineclube Lumière do Centro de Cultura Franco Amapaense realizam a projeção do filme brasileiro "Cronicamente Inviável" do diretor Sérgio Bianchi, dispostos a pensar essas e outras questões que nos atravessam.


domingo, 11 de maio de 2014

"Tapem meu rosto"

por Adriana Abreu

Há um conto de Jorge Luis Borges que gosto imensamente: “homem da esquina rosada”. Uma cena, em particular, chama-me muito a atenção. Para entendê-la, faz-se necessário antecipar certos acontecimentos.

Francisco Real, o Curraleiro, saiu das bandas do norte em busca de valentia maior que a sua em Villa de Santa Rita e a encontra no brilho da lâmina de um desconhecido. Com o peito encharcado, o forasteiro pediu: “Tapem meu rosto, disse devagar, quando não pôde mais. Só lhe restava o orgulho, e não ia consentir que ficassem xeretando as caretas de sua agonia. Alguém pôs em cima dele um chapelão preto que era de copa por demais de alta. Morreu debaixo do chapelão, sem queixa”.

O que me espanta, amig@, é o último pedido do morto: a elegância e a sutileza de pedir que lhe cubram o rosto. O motivo já nos foi dito: “só lhe restava o orgulho”. Sinto que o que me impressiona é esta consciência de se estar morrendo, a percepção total de si mesmo na hora derradeira e, de certa forma, o sentencioso controle sobre o rito.

Lendo “Diálogos: Borges/Sabato” da Editora Globo, organizados pelo jornalista Orlando Barone, traduzidos por Maria Paula Gurgel Ribeiro, descubro certas especificidades sobre a cena e o conto. Borges recolheu o argumento de um tio que presenciara o pedido de um compadrito apunhalado na barriga durante certas eleições, na Recoleta. Diz a Sabato e a Barone que influenciado por Chesterton, Stevenson e o cinema, escreveu “homem da esquina rosada” de forma que tudo fosse intensamente visual.

Apraz-me a confirmação de que, mais uma vez, a extraordinária memória de Borges tenha guardado uma história fugaz perpetuando-a em um conto; de que a narrativa oral e as situações do cotidiano são matéria preciosa na criação de um enredo, a ponto de se tornarem instante insubstituível em uma obra tão literária. 

“Tapem meu rosto” não é nada trivial. E a intenção de dar ao conto impulso visual alcançou o seu intento - o conto ganhou adaptação para o cinema e a cena destacada recebeu leve variação: o chambergo é substituído por uma echarpe. Na concepção do diretor René Mujica, o público riria ao ver um chapéu sendo posto na cara de um homem que está morrendo. A solução agradou a Borges, o autor assentiu dizendo que a cena não ficou ridícula (não assisti ao filme, mas creio que esse acordo tácito entre autor e diretor dispensa a famosa e desgastada rinha enredo versus roteiro, livro versus cinema).

A grande admiração que temos por determinado escritor porque reconhecemos que sua literatura nos proporciona clarividências; a favorável presunção de que certos detalhes na leitura de um livro são achados preciosos que só nós atentamos; uma incerta vocação para a partilha e, sobretudo, uma precisa resposta que Borges deu a Sabato nos diálogos recolhidos por Barone, motivaram-me a escrever este texto.
“SABATO: Não sei, mas acho que o senhor é um escritor para escritores. O senhor lhes proporciona um deleite que não sei se o leitor comum sente.
BORGES: No entanto, acredito que quando uma frase está bem, serve para todos.”